“SOLIDÃO x FICAR SOZINHO” - COMO FOI O “PSICODRAMA EM ATO” DO DIA 29/05/2018

O “Psicodrama em Ato” é uma vivência terapêutica grupal que se utiliza de dramatizações para trabalhar as questões das pessoas que levam sua história no grupo. Ele acontece toda última 3ª feira do mês no Instituto Casa do Encontro, no bairro do Campo Belo em São Paulo Capital.
Quem conhece psicodrama sabe que sempre existe um coinconsciente no processo todo. Para quem não conhece, vai estranhar o termo, mas eu já vou explicar. Coinconsciente é um fenômeno grupal, no qual elementos em comum da vida das pessoas que não se conhecem começam a aparecer numa sessão de psicodrama. É aquilo que popularmente chamamos de “coincidência”! Para nós, psicodramatistas, não existe coincidência, existe coconsciente e coinconsciente. O primeiro se refere a elementos conscientes que as pessoas percebem que “coincidem”, já o segundo é quando as pessoas só se dão conta depois que acontece e começam a surgir numa sessão.


Essa terça-feira ainda estava conturbada por conta da greve e muitas pessoas ainda não tinham se reorganizado em relação ao combustível, então, já era sabido que não viriam muitas pessoas. No entanto, eu estava contando que provavelmente viriam algumas e que não tinham cancelado sua vinda. Enfim, o ponto é que deu o horário e não havia chegado ninguém. Eu e meu assistente já estávamos até falando sobre isso e fiz até uma imagem pra ele na qual eu estava com uma sensação de vazio. Brincamos um pouco com isso e combinamos que esperaríamos até determinado horário e iríamos embora. Acabou chegando uma pessoa, a quem chamarei de Beto. Ele tinha me mandado uma mensagem ao longo do dia confirmando se haveria o psicodrama. Ficamos eu, ele e meu assistente conversando. Logo depois, meu sócio terminou de atender um paciente e fiz um sinal para ele vir participar. Sei que dá para fazer no individual bipessoal (apenas terapeuta e paciente), mas é sempre mais rico quando tem outras pessoas participando.
Começamos a falar de amenidades, da questão do combustível e do porquê de Beto ter vindo ao psicodrama. Enquanto falávamos eu pensava nos temas que estavam surgindo e isso foi se tornando o aquecimento do trabalho.
Sugeri que fizéssemos um trabalho coletivo sobre essa questão sociopolítica. No entanto, Beto quis trazer uma questão sobre seu atual relacionamento. Não entrarei em detalhes pelo fato de ter sido praticamente uma sessão individual, abordando os pontos principais da sessão.
A cena se inicia com um diálogo entre o protagonista e sua namorada. No decorrer da cena, percebe-se que não iria a lugar algum. Coloco um ego-auxiliar para representar um dos sentimentos presentes, a “solidão”, e depois uma sensação, a de “querer ficar sozinho” – um tipo de proteção, que tira Beto da sensação de abandono e que o leva à solidão. Em espelho (assistindo a cena de fora), vai dando uma impressão de uma situação confortável, que é confirmada por ele. A partir daí, ele vai contando várias situações (desde a sua infância) pelas quais passou em que teve essa sensação de solidão. Mudanças de casa, mortes na família, apego e morte de bicho de estimação, relacionamentos... A tendência dele na “cena” era a de verbalizar. Com tanta informação, eu, como diretora do psicodrama, senti uma necessidade de organizar essas lembranças, sugerindo, então, montarmos uma linha do tempo com esses acontecimentos. Coloquei um ego-auxiliar representando “Beto do passado” em uma ponta e o outro ego-auxiliar representando o “Beto do futuro” na outra. Os acontecimentos eram demarcados por almofadas e os eventos mais marcantes eram representados por cadeiras. Estes últimos foram pontuados como “marcos” na vida dele. Esse caminho permitiu que o protagonista identificasse com mais clareza os momentos-chave em que se sentiu sozinho e em que sua defesa surgiu para o proteger dessa sensação.
Quando ele chega no momento presente, coloco-o novamente diante de sua namorada e falo para eles conversarem novamente. A conversa tem novo rumo e ele age de maneira mais flexível com ela, falando sobre seus sentimentos, mostrando sua história de sofrimento e solidão, falando sobre seu plano no futuro com ela. Ele se coloca no lugar dela e vai respondendo deste lugar. Eles invertem algumas vezes e, quando ele assume o próprio papel novamente, peço para um ego-auxiliar representar a proteção e segurá-lo. Ele diz que realmente sente vontade de voltar para sua defesa, sua zona de conforto e proteção, mas, ao mesmo tempo, tira a defesa de trás dele e tenta negociar com ela sobre essa decisão. Mas, em um ponto da conversa, interrompo, pois a decisão já não está apenas em sua mão. No psicodrama não há solução mágica. Desmontamos a cena.
Compartilhamos o que a experiência trouxe para cada um e, como disse no início, o coinconsciente se manifestou ali naquele grupo. Quem estava compartilhou sua sensação de solidão e as respectivas defesas de escolher ficar sozinho, permitindo com que refletissem sobre outras possibilidades de escolhas e de relações. E a minha sensação de vazio no início? Pois é. Assim é o psicodrama.

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