AULA SOBRE EGO-AUXILIAR – ATIVIDADE DO 21º CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICODRAMA

O 21º Congresso Brasileiro de Psicodrama aconteceu de 27 a 30 abril de 2018 em Fortaleza/CE. Inscrevi dois trabalhos para apresentar: uma vivência com o nome de “Psicodrama da Autossabotagem” (que vocês já conhecem de outro post) e uma aula sobre ego-auxiliar (para quem não sabe o que é, já vou dizer o que isso significa) chamada “O ego-auxiliar no psicodrama contemporâneo: teoria e prática”, junto com meu amigo e parceiro de trabalho, Julio Cesar Valentim.


O primeiro trabalho não foi aprovado pela comissão científica, pois, segundo eles, receberam muitas inscrições para vivências e eles tiveram que priorizar. Sempre fica uma sensação ruim do trabalho não ter sido escolhido, mas... paciência!
Já o segundo trabalho foi aprovado, no entanto, como aconteceu com outros trabalhos, outra pessoa inscreveu uma proposta com o mesmo tema, porém com um olhar um pouco diferente do nosso. A “solução” proposta pela comissão científica foi a de juntarmos os nossos trabalhos ou, caso não quiséssemos, o critério de escolha seria pela data de inscrição.
Apesar do desconforto em apresentar um trabalho, ainda mais prático, uma aula, acabamos optando por fazermos juntos, pois nós três tínhamos o desejo de dar essa aula.
A colega em questão era a Agda Maffei, psicóloga da mesma federada que a minha, mas que se inscreveu através de outra federada. O que é uma federada? É uma associação que defende os interesses do profissional, oferece cursos de formação oficiais (valendo um título com certificado) e que realizam eventos científicos e/ou socioculturais para os sócios e os não-sócios. Além disso, oferece outros encontros, como supervisão, grupos de estudos, vivências, aulas, workshops e outras possibilidades de extensão e aprimoramento para os profissionais e pessoas que possam se beneficiar de seus serviços, como psicoterapia, coaching etc. É como se fosse um time. Atualmente, faço parte de duas federadas o DPSedes e a ABPS, onde estou fazendo o curso para titulação de supervisor. Em um outro post eu explico como funciona a formação em psicodrama, que é regulamentada por um órgão maior, que é a Federação Brasileira de Psicodrama, a FEBRAP.
Enfim, fizemos uma reunião por Skype para nos conhecermos e depois nos encontramos pessoalmente, pela minha necessidade de conhece-la em pessoa. Acho os recursos digitais ótimos, mas nada como conhecer pessoalmente e sentir com a pessoa é.
Eu e o Julio já nos conhecíamos há algum tempo e elaboramos a proposta juntos, a partir da monografia que ele apresentou para titulação de psicodramatista nível 1 (depois vou explicar isso no mesmo post de como funciona a formação em psicodrama).
Lemos a proposta da Agda e achamos que tinha algumas semelhanças e algumas diferenças. Elaboramos um roteiro que, minimamente, nos organizaria para a atividade do congresso.
Não conseguimos mais nos encontrar e nem fazer o piloto que queríamos fazer! Passaram-se alguns meses e, quando vimos, “bum”... chegou a semana do congresso.


A princípio eu estava mais empolgada em ir para Fortaleza e nem me lembrava da aula que deveríamos dar juntos. Tanto que só fomos nos reunir no almoço, uma hora antes da aula, para repassarmos o que havíamos conversado. Não tínhamos definido nem quem dirigiria a aula (o diretor é a pessoa que conduz as atividades sociopsicodramáticas). Isso não foi um descaso, mas talvez um ato inconsciente por não termos nos escolhido sociometricamente para realizar a atividade. (Bem resumidamente: escolher “sociometricamente” é escolher mutuamente a partir dos mesmos critérios, como um casal se escolhe mutuamente. Se há divergência nos critérios, provavelmente esse casal não vai adiante ou vai viver com sofrimento. Posso escrever um post sobre isso também.)
No almoço aconteceu uma integração e fomos juntos para a atividade. Aí sim começou o frio na barriga. Sempre fico com uma preocupação se haverá gente, se vai dar certo... E, dessa vez, tinha essa preocupação se funcionaria essa unidade com três pessoas que estavam trabalhando juntas pela primeira vez, pois, apesar de eu conhecer o Julio há algum tempo, esse seria o primeiro trabalho que dirigiríamos juntos.
Primeiramente, o ego-auxiliar é um dos instrumentos do psicodrama. Ele pode ser um profissional ou uma pessoa da plateia. Ele representa partes (ou papéis) do que chamamos de protagonista, ou seja, a pessoa que representa o grupo levando sua história para ser dramatizada em uma sessão.
Quando entramos na sala já havia um participante. (No psicodrama, se tem uma pessoa, já rola a vivência.) Esperamos um pouco para ver se mais alguma pessoa chegava e... nada! (Pensamos que talvez fosse porque era na hora do almoço.) Enfim, resolvemos começar. Perguntamos o porquê de o rapaz ter escolhido essa atividade. Ele contou que atua como ego-auxiliar, contou de onde era, falou um pouco dele. Também falamos quem éramos e contamos a alternativa que a comissão havia nos dado e que nós estávamos experimentando aquele modelo pela primeira vez. (Na hora do almoço achamos que era importante contar a “verdade” sobre nossa situação de sermos “juntados” no trabalho.)
Enfim, dali a pouco entrou mais um integrante e depois mais um e mais duas e mais três... Quando vimos, eram dez integrantes + nós três.
Tínhamos optado por deixar fluir e, quem se sentisse mais aquecido (termo psicodramático relacionado à pessoa que se sente mais preparada naquele momento), assumiria a direção da aula. Agda tomou a direção e propôs um aquecimento corporal e depois uma atividade, na qual uma pessoa fechava os olhos e esta seria conduzida pela outra a explorar o ambiente. Ambos deveriam perceber como estavam se sentindo naquela posição. Depois de um tempo, a diretora pediu para inverterem os papéis. Nos comentários, alguns preferiram ser conduzidos e outros conduzirem. Foram falando das inseguranças e dos medos, de confiança e de necessidade de controle. Um dos participantes, a quem chamarei de João, falou sobre sua insegurança em assumir uma posição e da sua dificuldade em se expressar por conta de seu tamanho (ele é bem alto, beeem alto). Ele é solicitado para concretizar essa sensação.
Nesse momento, eu vejo uma possibilidade de ação dramática e assumo a direção, pedindo para duas pessoas da plateia (tornando-se, então, egos-auxiliares) a assumirem os papéis de como ele se sente e de como ele quer ser. Inicialmente João “modela” as pessoas conforme sua percepção. Depois peço que os egos-auxiliares se movimentem por livre vontade, já que o propósito não é trabalhar psicoterapeuticamente o representante grupal, mas, sim, desenvolver os papéis de egos-auxiliares dos participantes. Eles são solicitados a maximizarem os movimentos conforme a sensação deles, ou seja, aumentarem os movimentos segundo as suas próprias percepções. Isso, no psicodrama seria um duplo-espelho, ou seja, os egos representam aquilo que eles, no lugar de representante grupal, sentem em seu corpo naquele lugar (duplo) e, quando a pessoa se vê de fora, isso significa um espelho. A partir dessas imagens, João concorda que se sente dessas maneiras, porém pede para um deles amenizar seus movimentos, pois achou muito exagerado, que não quer ser assim com tanta força. Peço para ele prestar atenção nas suas sensações e ir expressando o que seu corpo pede. Ele vai se movimentando e expressa um sorriso em seu rosto.
Agda percebe uma possibilidade de desdobramento a partir dali e pede para as outras pessoas do grupo entrarem no lugar do rapaz e expressarem o que sentem diante daquela imagem.
Fechamos a atividade com comentários. As pessoas contam como foi para elas participarem das atividades e começam a ter questões teóricas sobre o papel, o desempenho e as funções de ego-auxiliar. Para que serve o ego-auxiliar? Qual sua função? Como é a experiência de cada um e o que pode agregar nos seus desempenhos profissionais?
A essa parte teórica chamamos de processamento.
Julio assume a condução do grupo, mediando a discussão e assumindo a articulação da parte teórica, sintetizando os conceitos e a aplicação da teoria, inclusive em um momento em que eu e Agda discordamos de uma das funções do ego-auxiliar.
Falamos bastante da diferença de um ator de teatro e de uma pessoa desempenhando o papel de ego-auxiliar. Este último, parte das próprias sensações corporais, da sua percepção do outro e de como o representante grupal traz as pessoas de sua vida, ou seja, seus papeis internalizados (o pai não é “um pai” é “o pai daquela pessoa”; o chefe não é “um chefe” estereotipado, é “o chefe daquela pessoa”, da forma como ela o percebe). O ator parte de um script e de conceitos socioculturais para compor um personagem (seria “um pai”, “um chefe”). No papel de ego-auxiliar há o risco de estereotipar o papel. No entanto, o representante grupal ou protagonista sempre pontua quando há um exagero ou quando o ego-auxiliar está desempenhando de forma desconexa.
Outro ponto que levantamos foi a função do ego-auxiliar. Se, por um lado, ele é extensão do diretor, por outro é extensão do protagonista e do grupo. Ele é sensação, sentimento... O diretor é mais razão, está na condução do processo, vendo de outro ângulo. O ego-auxiliar percebe de fora e de dentro.
Quando, nós, diretores conseguimos desenvolver a função ego-auxiliar no papel de diretor (algo que acontece muito nas sessões individuais na clínica), pensamos que o psicoterapeuta amplia as possibilidades do paciente. (A função ego-auxiliar do diretor era outro objetivo nosso para essa aula.)
Fechamos a atividade em círculo. Todos saíram satisfeitos, inclusive nós três que, como primeira experiência juntos, achamos que funcionou, mesmo com as diferenças complementares como unidade funcional.
Pode ser que tenham surgido mais questões nessa aula, porém, essas foram as minhas lembranças da experiência e, não vou mentir, tenho um probleminha de memória, às vezes (meu filho diria que tenho esse problema muitas vezes, rs).

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