“OBSERVANDO FORMIGAS!” - Como foi o "Psicodrama em Ato" do dia 27/03/2018


O primeiro dia do “Psicodrama em Ato com Mariana Kawazoe” no Instituto Casa do Encontro foi marcado por uma noite chuvosa. Senti-me ansiosa por ser o primeiro dia de um evento que acontecerá todos os meses daqui pra frente. Eu não sabia quantas pessoas viriam ou se viria alguém. Só sei que fiquei torcendo pra aparecer gente! Até comentei com o Gil, meu sócio: “Se vierem umas 10 pessoas, eu já fico feliz!” Mas, lógico que eu estava torcendo pra casa ficar cheia! No entanto, se viesse uma pessoa, eu faria o psicodrama. Como diria Moreno, “mais de uma pessoa já é grupo”. Ele não falou exatamente assim, mas é esse o sentido...
No período da tarde saí para comprar alguns “agradinhos” comestíveis para quem viesse, já me aquecendo para o evento da noite.
Convidei meu filho, Victor, para me ajudar na recepção das pessoas e para receber as doações de 1kg de alimento, que foram os ingressos do dia. Essas doações já estavam destinadas a irem para a Igreja Nossa Senhora de Guadalupe, que fica no Campo Belo e ajuda muitas pessoas da comunidade nas redondezas.
Foram chegando algumas pessoas: dois terapeutas que atendem aqui no Instituto, uma ex-paciente, uma paciente, uma amiga de uma delas, o Gil e algumas pessoas que ele trouxe para conhecer o psicodrama (a maioria – Obrigada pela generosidade, Gil!). Duas pessoas não conseguiram descer do carro por conta da chuva, mas espero que elas voltem num outro dia.
O relato a seguir está carregado de subjetividade (minha, claro), um pouco de falha de memória e pode não estar objetivamente contado.
Depois de algum atraso, resolvemos começar. O friozinho na barriga pegando. (Ainda bem que sinto frio na barriga! Isso significa que estou viva! Rs) Falo um pouco sobre o psicodrama. Dúvidas surgem, já que as pessoas não sabem exatamente se será uma aula ou uma palestra, mas logo percebem que será uma vivência. Vou me aquecendo contando um pouco sobre J. L. Moreno, o criador do psicodrama, e sobre a Casa do Encontro, nome que escolhemos para o nosso espaço. Explico que as pessoas que querem trabalhar suas questões são voluntárias e que o próprio grupo escolhe quem vai ser o representante grupal (ou o protagonista).
Opto por fazer um aquecimento interno, com os olhos fechados. A partir disso, duas pessoas se candidatam para trabalhar: uma – a quem chamarei de Maria – lembra de uma cena de infância, na qual se sente excluída e que esse sentimento de exclusão ainda faz parte de sua vida. Ela não se sente pertencendo a lugar algum. A outra pessoa – a quem chamarei de Telma – traz uma situação atual em que se sente maltratada por uma pessoa específica. Essa cena se repete em outras situações de sua vida e ela acha que precisa desenvolver outras formas de lidar com esse tipo de situação.
O grupo elege a cena de Maria, que vem ao palco meio insegura (porém corajosa para vivenciar o desconhecido) do que aconteceria em seguida. Ela monta uma cena de infância, na qual ela está sentada sozinha observando formigas enquanto seus irmãos jogam bola e sua avó está na cozinha. Egos-auxiliares desempenham os papéis. Uma escadaria marca a localização da cena. Seus irmãos a provocam e a menina-Maria sofre em silêncio fazendo movimentos repetitivos para frente e para trás com o corpo para se sentir mais aliviada. A representante grupal entra em alguns papéis, ficando travada para interagir com os outros papéis. A menina diz que sente algo na barriga. Chamo uma ego-auxiliar da plateia, que vem fazer essa sensação, a qual é chamada de “Opressão” pela representante grupal. A “Opressão” faz os movimentos potencializados na barriga da menina e vai dizendo em voz alta o quanto ela não pode fazer as coisas ou mesmo estar lá. Em espelho (assistindo a cena de fora), ela vai ficando tensa corporalmente, mas não consegue reagir. No seu papel, ela também não reage, dizendo que está se sentindo aliviada quando fica balançando o corpo. A menina-Maria diz que está confortável desse jeito e não quer sair da situação.
Chamo Maria de atualmente e peço para fazer uma escultura (posicionar corporalmente como ela se sente). Quando ela se coloca na posição, diz que está confortável, mas quando o ego-auxiliar assume a posição diz que está dolorido e extremamente desconfortável. Maria resiste e continua dizendo que está confortável.
Peço para a adulta dizer à menina o que acontecerá com ela no futuro. A adulta continua afirmando que está confortável e que ser desse jeito fez com que buscasse pertencimento no mundo e isso proporcionou que ela conhecesse muitos lugares. Provoco-a perguntando: “Se você está tão confortável, por que essa cena a incomoda?” Ela diz: “É porque estou sozinha!” Peço para ela dizer isso para a sua criança.
Nesse momento, Maria lembra de outra cena, a que a avó a manda embora depois que seu irmão bate nela. A adulta diz que perdoou a avó, pois a compreende. Chamo a menina-Maria e pergunto se ela perdoa a avó. Esta última (ego-auxiliar) diz que não, que se sente muito sozinha e precisa de alguém que cuide dela. Pergunto se a adulta pode cuidar da menina. Ela diz que não, pois a criança vai dar muito trabalho e que não pode leva-la para os lugares. Depois de alguma resistência, a adulta cede e decide levar a criança, além de cuidar dela.
Peço que as duas (adultas e crianças) chamem todos os opressores de Maria: os irmãos, a avó, um homem desconhecido na rua que a agrediu, seus ex-parceiros... (representados por egos-auxiliares). Coloco todos à sua frente e peço que ela enfrente todos eles. Dou a instrução para os egos-auxiliares não facilitarem para ela até que sintam que devem aliviar a opressão. Ela paralisa, fica tensa e aperta uma mão contra a outra. Seus ombros ficam tensos. Pergunto o que ela está segurando. Ela diz que se ela soltar as mãos, vai bater nos irmãos. Dou duas almofadas a ela e digo para ela bater então, que nessa cena ela pode. Ela bate devagar, mas vai dizendo que não está mais sentindo vontade de bater, que é um movimento mecânico e automático.
Os egos-auxiliares que desempenham os papéis dos irmãos começam a se sentir muito mal e arrependidos, pedindo perdão. Ela perdoa, mas a criança ainda não perdoa. Adulta e criança ainda estão fragmentadas. Chamo uma pessoa da plateia para dar voz a essa sensação presa de Maria. A pessoa começa a dizer que não perdoa os irmãos, pois eles são falsos e a fizeram sofrer muito. Maria fica brava com essa fala e protege os irmãos, pedindo para tirar essa ego-auxiliar, que continua dizendo que está com raiva deles pelo que eles fizeram. Os egos-irmãos dizem que sentem muito do fundo do coração. Enquanto a ego que dá voz ao sentimento reprimido continua a falar, criança e adulta se integram, dando os braços.
Decido encerrar a dramatização nesse ponto e peço para a representante grupal ir se despedindo dos papéis.
Abro para o compartilhamento. Alguns sentimentos que apareceram foram: raiva e angústia. Algumas pessoas sentiram vontade de reagir pela representante, outras compartilharam as sensações nos papéis vivenciados. A autoexclusão aparece forte nesse momento (lembrando que a questão inicial era a sensação de não-pertencimento). Maria assume a responsabilidade pela sua autoexclusão, mas parece ainda estar em um leve estado de choque. Uma pessoa do grupo compartilha que vivenciou bullying na infância, mas infelizmente não havia mais tempo para continuarmos compartilhando.
Tecnicamente, creio que podemos dizer que Maria foi protagonista nesse grupo, no qual muitas pessoas se sentiam não-pertencendo e, ampliando a reflexão, era o primeiro psicodrama aberto nesse espaço com a maioria das pessoas que eram da constelação familiar. Será que ainda estamos buscando um espaço de pertencimento para o psicodrama? Tenho certeza que sim.

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